“Sem definir ações para enfrentar crise, como se dará gestão do recurso e atendimento se a situação piorar, tudo o que o governo faz é propagar o caos social”, diz integrante do Coletivo de Luta pela Água
Um ano e oito meses após admitir publicamente que São Paulo enfrentava a pior seca em 84 anos, o governo de Geraldo Alckmin declarou ontem (18), oficialmente, que a bacia hidrográfica do Alto Tietê, que compreende toda a Região Metropolitana de São Paulo, está em “situação de criticidade hídrica”. O Coletivo de Luta pela Água, que reúne movimentos sociais e sindicatos, considera, no entanto, que tal declaração é inútil sem a proposta de ações para enfrentamento da crise que deveria constar do Plano de Contingência anunciado muitas vezes mas nunca oficializado pelo governo paulista.
A Portaria 2.617, publicada no Diário Oficial de ontem pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (Daee), “determina que ações de caráter especial deverão ser adotadas visando a assegurar a disponibilidade hídrica de modo seguro e eficiente”, mas não especifica as medidas. “Sem definir quais são as ações para enfrentar a crise, como se dará a gestão do recurso e o atendimento se a situação piorar, tudo o que o governo faz é propagar o caos social”, afirmou Hamilton Rocha, membro do coletivo.
Conforme a RBA denunciou no início deste mês, após seis meses de existência o Comitê de Crise Hídrica, criado por Alckmin para debater e elaborar propostas para enfrentamento da seca, inclusive o Plano de Contingência, não produziu nenhum resultado.
Considerados todos os reservatórios, a Região Metropolitana tinha, na segunda-feira (17), 489 bilhões de litros de água, o correspondente a 22,7% de toda a capacidade dos seis sistemas de abastecimento: Alto Tietê, Guarapiranga, Alto Cotia, Cantareira, Rio Grande (Billings) e Rio Claro. Este último não está na bacia do Alto Tietê.
O Cantareira está hoje 12,6% abaixo do nível normal de captação, utilizando a água do volume morto das represas. Em situação pior do que há um ano, quando estava em 5,8% negativo. Alguns reservatórios estão em melhores condições que no mesmo período do ano passado, mas as chuvas estão ainda mais fracas do que normalmente são nesta época do ano e o inverno tem tido temperaturas altas, o que aumenta o consumo de água.
Para Rocha, a situação é realmente grave “e o governo Alckmin parece estar projetando uma situação muito pior para o final do ano”, avaliou. Por esse motivo teria declarado a “criticidade”, em um momento que os reservatórios estão mais cheios do que em janeiro deste ano, por exemplo, quando havia 279 bilhões de litros de água em um sistema que pode armazenar até 2,1 trilhões de litros.
Completamente cheios, os sistemas poderiam abastecer os 20 milhões de habitantes da Região Metropolitana de São Paulo por um ano e meio, aproximadamente. Hoje, Rocha estima que, sem chuva, as represas sequem até o final do ano.
Quinta-feira (20) e sexta-feira (21), o Ministério Público Estadual de São Paulo vai realizar audiência pública para ouvir a população e especialistas sobre as consequências e responsabilidades pela crise hídrica. Qualquer pessoa pode participar e levar documentos ou relatos de falta de água, contaminação ou outras denúncias.
O Coletivo de Luta pela Água também criticou o fato de a proposta do governo ser a ampliação da fiscalização sobre poços e captações de água sem autorização. “No início do ano o governo já tinha multado muitos pequenos agricultores da região por utilizarem água. Mas até agora não vimos nenhuma medida sobre os contratos de demanda firme. É vergonhoso”, disse Rocha.
Pelo modelo de demanda firme empresas com grande consumo de água – no mínimo 500 mil litros por mês – firmam contratos vantajosos com o governo paulista, pagando tarifas que variam de R$ 3,43 a R$ 10,35, por mil litros. Muito menos do que os consumidores comuns, que pagam R$ 20,64.
Somente em 2014, os 526 contratos tiveram um consumo de 25 bilhões de litros de água. Valor que supera o consumo anual de água – residências, indústrias, comércio – da cidade de São Caetano do Sul, na Região Metropolitana: 14 milhões de m³, para 156 mil habitantes (dados de 2013).
Rocha avaliou que uma nova ofensiva contra os pequenos agricultores, que já sofrem com a falta de chuvas, pode levar à redução da produção de hortaliças, causando desemprego no setor da agricultura familiar e provável encarecimento dos alimentos nas feiras e mercados. “Produzindo uma crise de escalas imprevisíveis quando, na verdade, o setor agrícola representa pouco mais de 1% de todo o consumo de água na região metropolitana de São Paulo”, conclui.
Fonte: Rede Brasil Atual