Cálculo da Sabesp sobre nível do Cantareira mascara realidade e confunde usuários

A poucos dias do fim do mês de março e início do período de estiagem, a chuva acumulada no sistema Cantareira atingiu quase 100% da média histórica. Segundo a Sabesp, o reservatório opera com 12,4%, contando com o volume morto.

Apesar da leve recuperação, o presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, afirmou na última sexta-feira (20) que a situação do manancial é extremamente grave. A falta de transparência da Sabesp ao divulgar os índices do reservatório também tem sido criticada por especialistas, por confundir a população.

Em julho de 2014, a Sabesp passou a usar a água do chamado volume morto do Cantareira, uma reserva que fica abaixo do nível da capacidade do manancial e que precisa ser bombeada para o abastecimento. Mas na hora de informar a população sobre os índices de água armazenada no reservatório, a Sabesp estava usando um cálculo que não levava em consideração essa cota do volume morto. Ou seja, a sensação era de que o manancial estava sempre operando com dados positivos e, na verdade, ainda está negativo.

“O correto seria dizer que o nível operacional está em zero, e que o déficit está em -13%.”, afirmou a coordenadora da Aliança pelas Águas, Marussia Whately, em entrevista à equipe de reportagem do Seu Jornal, da TVT.

Na semana passada, por determinação do Ministério Público, a Sabesp passou a usar um novo cálculo. Agora, também mostra o nível do reservatório somando o volume morto. Por este cálculo, o índice oficial de hoje é de 12,4%. Mas esse dado ainda não mostra a realidade do manancial, que continua operando no negativo.

O volume útil do Cantareira é de 982 milhões de metros cúbicos e volume morto soma mais 287 milhões e 500 mil metros cúbicos de capacidade ao manancial, totalizando 1 bilhão, 269 milhões e 500 mil metros cúbicos. Para o reservatório sair do negativo, é preciso que a água armazenada hoje, que é de cerca de 160 milhões de metros cúbicos, quase dobre de volume para atingir o nível zero da capacidade de operação do Cantareira.

“A forma como os dados estão sendo apresentados até confunde um pouco, porque agora temos dois índices. Dois índices positivos, quando, na verdade, o que nós temos é um índice negativo, porque não chegamos nem no zero operacional da represa ainda”, explica Marussia Whately.

Apesar das chuvas de fevereiro e março terem elevado o nível dos reservatórios, a situação ainda é crítica.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água e esgoto do estado de São Paulo (Sintaema), René Vicente dos Santos, a Sabesp esconde a gravidade do problema: “Ela tenta, de alguma maneira, burlar. Dar uma sensação de comodidade de que está sendo superado esse período de escassez, mas, no fundo, o intuito da Sabesp e do governo do estado é escamotear a real situação que nós estamos vivenciando”.

“Estamos chegando no final do verão. A quantidade de água que existe nas represas, somando todas elas hoje, é o equivalente a menos de 30% do que elas têm de capacidade, contando o volume morto. Se retirar o volume morto, tem algo em torno de 20% da capacidade, o que é uma quantidade pouca de água que atravessar uma próxima estiagem”, alerta a coordenadora da Aliança pelas Águas.

Confira a reportagem completa do Seu Jornal, da TVT:

Mesmo com chuvas, situação de reservatórios do Sudeste é crítica

Cantareira
Representa que integra reservatório Paraíba do Sul, que abastece parte dos estados do Rio e de SP: nível baixo

Apesar das chuvas registradas nos meses de fevereiro e março, a situação hídrica continua crítica na Região Sudeste, afirma o professor Paulo Carneiro, do Laboratório de Hidrologia do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Além das chuvas, a região foi beneficiada com o fim da influência do bolsão térmico, que impedia a entrada de frente fria e de umidade da Amazônia. Com a proximidade do fim do mês de março, entretanto, as chuvas tendem a ficar escassas e a região entra em um período mais seco.

“Na bacia do Paraíba do Sul, por exemplo, a situação continua crítica do mesmo jeito. Vamos entrar em um período seco com os reservatórios ou no volume morto ou próximo disso. A situação ao longo do ano tende a ser crítica”, diz Carneiro.

“A Agência Nacional de Águas [ANA] e o Operador Nacional do Setor Elétrico [ONS] vão ter de continuar a fazer restrição de vazões em Santa Cecília [estação elevatória localizada em Barra do Piraí, no sul fluminense], tanto para transposição para atender à Bacia do Guandu quanto para atender ao restante da bacia do baixo curso do Rio Paraíba do Sul”, completa.

Na avaliação do pesquisador, não há expectativa de que o nível dos reservatórios da Região Sudeste se normalize antes de 2016. “Não há previsão possível para saber se e como choverá no final do ano de 2015. A expectativa é que 2016 possa ser um ano melhor, mas também pode ser muito crítico. Não dá para ter garantia sobre isso”, comentou.

Segundo Paulo Carneiro, a crise hídrica não é o único motivo para a falta de água em alguns locais do Rio de Janeiro. Segundo ele, em áreas da região metropolitana, da Baixada Fluminense e da zona oeste, o problema de abastecimento é antigo. “Existem várias áreas da região metropolitana do Rio de Janeiro que não recebem água com frequência e onde não há água permanentemente na torneira. Existe uma parte da população do Rio de Janeiro que recebe água full time [o tempo todo], mas uma parte enorme não recebe. E não é de agora, é de muito tempo.”

O pesquisador destacou que o sistema opera em déficit porque falta investimento. “Falta adutora, faltam reservatórios que façam a setorização do saneamento. Falta uma série de coisas e há perdas muito altas nos sistemas.”

Para o professor, mesmo com as campanhas para redução do consumo de água e com exemplos de economia por parte da sociedade, não existe uma pesquisa que comprove o grau de comprometimento das pessoas com a diminuição do desperdício. “Era necessário que um instituto de pesquisa financiado pelos governos fizesse uma enquete para saber qual a percepção, se realmente as pessoas mudaram os hábitos, se controlam mais os seus gastos com água.”

Entre os projetos já levantados pelo governo do Rio para aumentar a oferta de água destinada ao abastecimento está o processo de dessalinização da água do mar. O professor Cristiano Borges, do Programa de Engenharia Química da Coppe, destacou que, pela localização geográfica da cidade, é possível desenvolver o projeto de forma eficiente.

Apesar de ser favorável à ideia, o professor reconheceu a existência de dificuldades para a implantação. “Nossas dificuldades, como país, estão na infraestrutura, na organização e na vontade política, porque as unidades de dessalinização são de construção relativamente simples e de demanda diária baixa. Temos mar próximo ao Rio de Janeiro que pode ser a fonte de captação”, afirmou.

Fonte: Agência Brasil